sexta-feira, 3 de agosto de 2012


Ghawazee – Raízes e História



Este texto é a união de informações tomadas ao longo dos anos e mescladas com artigos escritos sobre o tema.
Há pouco tempo pude ter acesso a um material de estudo incrível que me permitirá compartilhar com vcs muitas outras informações, que não são fruto do pai Google mas sim de um trabalho científico comprovadamente confiável, como fonte de informação sobre a vida e cultura dos egípcios modernos.

Por enquanto aqui vão algumas impressões e informações sobre este grupo étnico  tão polêmico!

Dentro da sociedade egípcia , desde tempos antigos até hoje em dia a dança é parte da cultura.A exposição a música, e a dança faziam parte do cotidiano, nem sempre exposto ao público mas sempre próximo do coração destas pessoas. Podendo ser uma manifestação íntima, apenas entre mulheres de uma mesma famíla, ou dentro do contexto de trabalho como por exemplo, através dos artistas de rua, entretendo os trauseuntes, a dança tem estado presente na vida e na alma deste povo desde tempos imemoriais.Grupos de dança ou companhias sempre foram um artigo disponível no mercado. Eram contratados para jantares, comemorações e até mesmo festividades religiosas.A exceção era que alguém bem nascido , raramente se dedicaria a esta atividade.

 Dançar em público sempre foi considerado um privilégio, se podemos chamar assim, da classe mais pobre.A exposição a que estes artistas são submetidos, sempre foi mau vista pela sociedade de forma geral. Não vivo sem isso mas minha filha não dança publicamente.



De certa maneira a conecção com a dança se torna mais fraca na medida em que uma mulher assume responsabilidades. A´te mesmo na vida privada, uma mulher que seja a cabeça de sua casa, dança pouco. Como se o peso da responsabilidade assumisse o peso da balança. Sou séria, portanto não danço.  Em algumas ocasiões especiais é claro, a dança é permitida como celebração, por exemplo no noivado de uma filha ou filho, o que torna a ocasião honrosa e especial.
Claro que esta é uma visão limitadora, mas mostra um pouco como a sociedade vê o dançar em alguns aspectos.



Nós bailarinas profissionais, quantas vezes nos deparamos com a pergunta:No que vc trabalha?Respondemos: Sou bailarina!E aí vem a clássica ; Oh que legal, mas o que mais vc faz? Não é um reflexo? Como se o fato de trabalhar com dança não fosse de fato um trabalho mas sim uma diversão! Desde quando carregamos este fardo conceitual?

As ghawazee – plural da palavra Ghazeya são as dançarinas de rua, comumente contratadas para as festividades independente do motivo para a festa.
Existem relatos que referem a presença de dançarinas ghawazee na ocasião do parto, e isso até leva a questionar se , uma vez sendo verdade o que se conta, poderia ter vindo daí a simbologia que liga a dança a fertilidade. Seriam essas ciganas também parteiras? Teriam algum papel importante neste sentido, no momento sublime de dar a luz?

Pouco se sabe sobre estas dançarinas urbanas, e quase nada se escreveu que seja digno de análise científica, portanto acabamos dependendo dos textos e livros que fazem alusões a estas mulheres, mas que não provam de forma cabal quais as regras e caminhos que elas tomaram ao longo dos anos.
Existem relatos sobre estas mulheres ciganas desde o século XIX pelo antropólogo Edward Lane, que visitando o Egito por volta deste período descreveu as cerimônias de tatuagem de henna, dizendo que quem as conduzia era sempre uma ghazeya. A presença destas mulheres na arte , na música e nos costumes é inegável e atravessa os séculos.  Os símbolos tatuados na face , nas mãos e nos pés, tinham o sentido de proteção e eram amplamente difundidos no passado, muito mais do que no presente.

No início do sec XVIII, com a chegada de Napoleão ao Egito, buscando por uma nova rota para as Indias, deu-se a primeira expedição organizada a esta parte do mundo. As Ghawazee neste momento eram conhecidas como Banat el Baladi.

Ghawazee em sua tradução quer dizer “ invasoras do coração” . Essas dançarinas encontradas pelos soldados de Napoleão eram ciganas, estavam acomodadas, ao longo do baixo Nilo e também no Cairo, onde puderam encontrar uma nova fonte de renda, com os soldados franceses. Depois de terem sido ligadas por um general Frances a ocorrência de doenças, foram perseguidas e muitas foram mortas

Passou-se por um período em que sua atividade era aceita mas sempre como marginal a sociedade, e diz-se que as ghawazee faziam de tudo, e não apenas dançavam. Foi instituída uma forma de regular suas atividades, bordéis foram abertos, e elas eram taxadas e também recebiam atendimento médico.

Elas geralmente se apresentavam de forma aberta, em ruas urbanas, mesmo que fosse apenas para animar as multidões. Sua dança era pouco elegante, com o detalhe muito marcante de uma movimentação de quadril, bastante enérgica e cheia de vibrações, com muitas variações de acento, em especial de um lado a outro. Elas podiam inicicar de forma delicada mas com os olhares animados do público e o rápido tocar das castanholas de metal, a energia aumentava cada vez mais.

Durante algum tempo, mesmo no ápice do período islãmico clássico, de 800 ac até 1300 ac, o termo ghawazee, provavelmente se referia as dançarinas livres que se apresentavam publicamente e aos cantores, pertencentes ao Nawar, descendentes dos ciganos Romanis, que migraram para o sul do Egito, na área rural durante a Idade Média. Instrumentos musicais antigos como Mijwiz e o Rebab, representados nas paredes de tumbas egípcias, são ainda hoje utililizados pelos músicos nawar. Os movimentos das ghawazee assim como sua música tradicional não parecem ter se modificado com o tempo. É como se pouco ou nada tivesse sido tocado pela modernidade.


Nos últimos 20 anos, uma família de músicos e dançarinas do sul do Egito se tornou famosa. As Banaat Maazin, literalmente , filhas de Maazin, tem sido dançarinas por gerações, e são muito conhecidas por seu estilo peculiar nas apresentações. Elas aprenderam a dança de suas mães e avós. O patriarca , Yusef Maazin, morreu há muitos anos atrás, e agora apenas Khaireya, a mais nova das filhas de Maazin, ainda se apresenta. Suas irmãs e primas se casaram, o que geralmente encerra a carreira de uma dançarina, ou se aposentou por outra série de razões, incluindo a falta de trabalho em função da pressão exercida pelo ressurgimento dos grupos fundamentalistas muçulmanos. 
Yusef não tinha filhos para se tornarem músicos ou gerenciarem as dançarinas perpetuando os negócios da família. Como a história da família se perdeu, a tradição oral deste estilo de dança também pode desaparecer porque as filhas se recusam a aceitar que suas crianças cresçam na mesma profissão familiar.

Em sua forma típica de dança folclórica Egipcia, a seqüência ghawazee não é coreografada, em lugar disso, as dançarinas, usualmente tocando sagat, e músicos seguem um programa musical familiar que não tem uma estrutura fixa, com configurações típicas de dança, intercaladas com esquemas de entretenimento, como por exemplo ter um Rabeb colocado sobre o peito da bailarina enquanto está sendo tocado. As dançarinas freqüentemente imitam as danças tradicionais masculinas, como o tahteeb ou danças de luta, ou mesmo a dança dos cavalos, brincando durante sua dança com um bastão ou bengala. Em casamentos e festivais, as ghawazee muitas vezes dançam em grupo, formado por pessoas da sua própria família. 

 Khaireya mais velha , e ainda em atividade.

Quando existe a possibilidade, dançam sobre pequenos palcos e até mesmo nas mesas. As vezes se revezam dançando sózinhas ou em pares, ou em pequenos grupos que se modificam em sua formação durante o decorrer da dança. Apesar da dança ser ao vivo, os movimentos são muito relaxados e ambos, musicos e dançarinas se mesclam muito bem. As apresentações em casamentos podem durar de seis a oito horas, e os artistas descansam muito pouco durante todo o tempo.
Fica aqui o convite para que saibam apenas um pouco sobre mais uma das faces do folclore presente no Egito.
Fontes:
- relatos escritos a partir de  cursos de dr Gamal Seif e Khaled Seif
- conversas pessoais- com Farida Fahmy
by Edward William Lane - edição publicada em 1923

- artigo escrito por Leyla bint ish-Shamaal
Minhas impressões pessoais pelas aulas tomadas com Khaireya Maazin em duas oportunidades no Cairo.
Lulu
Junho 2012

7 comentários:

Mônica Mahasin disse...

Obrigada por publicar!!!

Ana Ferreira Talibah disse...

Lulu, pérola brasileira, é por estas e outras que te amo cada vez mais. Obrigada por compartilhar teu conhecimento.
Você é uma verdadeira mestra.

Suheil disse...

Mandando pras minhas alunas como leitura obrigatória! Obrigada mestra! BJks, Suh

CHRYSTAL NUR disse...

Linda Lulu. Obrigada por publicar esse conhecimento. Bjs

Unknown disse...

Amei Lulu vou reportar às minhas alunas.

Unknown disse...

Como prova de que você exerce um papel fundamental na dança oriental no Brasil, em todos os sentidos, nao só como bailarina, mas como pesquisadora e detentora de conhecimentos sempre aprofundados. Minha pesquisa sobre as Ghawazee não estaria completa sem este texto que você publicou e embora eu tenha lido apenas na data de hoje, 06/04/17, e o texto data de Junho de 2012, prova como o conhecimento é atemporal e serve ao que se dedica: informar um público ávido por novas fontes de estudos. Lulu, você sempre será fonte eterna de inspiração para quem quer obter conhecimentos neste vasto (e mágico) mundo da dança oriental. Meu desejo é que você se eternize como as deusas daquele tempo. Sua fã por influência de Solange Costa e também por causa própria (rsrsrs): Lu Leite - São Luís/MA.

Lulu disse...

Obrigada BeHappy por suas palavras para mim
Eu realmente sinto que precisamos cada vez mais estar próximas e repartindo o que aprendemos para podermos crescer e reverberar esta dança que nos acompanha por tanto tempo de vida.