Dizem que a paciência é uma virtude maravilhosa. Nesta vida
pelo menos, eu vim desabilitada neste acessório.
Parece que minha paciência só serve mesmo para os sentimentos,
e para os desapontamentos. Ambos tem que chegar a um nível absolutamente
inaceitável para que eu tome qualquer ação positiva a meu próprio favor.
Tenho refletido com relação a isso , observando como se não
fosse meu, o tempo de vida que já trilhei , nestes 46 anos, 8 meses, e 30
dias...
Confesso que me recordo demais da minha mãe e de suas
pragas. Sim, porque praga de mãe sempre pega.
Ela me disse inúmeras vezes, que eu um dia saberia o que significava
ser mãe, e também compreenderia as dificuldades da vida adulta, e o papel que
temos na vida de nossos filhos. Assim como compreenderia o grau de paciência a
que uma mãe é submetida.
Agora, me recuperando de uma cirurgia na coluna, que eu
jurei que não ia fazer, sou obrigada mesmo sem querer, a ficar quietinha, pelo
menos fisicamente. E a cabeça começa a agir , numa velocidade que ao corpo não
é permitida!
Relembro muitas coisas, repenso outras, e ainda assim a dita
paciência não passa para me fazer uma visita.
Minha maior dificuldade em aceitar a cirurgia, que provava
ser necessária, era a condição paralela
de estacionar tudo, por pelo menos 8 semanas.
Nunca, desde que comecei a trabalhar, aos 17 anos, eu parei
por 8 semanas. Como saberia lidar com isso?
E o pior , como poderia gerenciar financeiramente este período de resguardo que
seria obrigada a cumprir?
As coisas foram clareando quando meu médico ( santo homem )
revelou que tinha um prognóstico muito melhor para mim. Ele me disse:
_ Veja bem Luciana, meus pacientes, são em geral idosos,
sedentários e trocaram seus músculos por gordura. No seu caso tudo muda de
figura, músculos fortes, uma vida mais do que esportiva e uma vontade imensa de
voltar a ativa. Para um paciente comum eu diria dois meses e meio fora da vida
normal ( neste momento eu juro que quis fugir) para vc, creio que em 3 semanas,
vida suave, dando aulas delicadamente, e depois de 5 semanas quem sabe podemos
mudar de idéia e acionar seu turbo?
Bom, não era perfeito, mas era bem melhor do que a base
média de retorno as atividades.
Resultado ? Eu fiz a cirurgia.
Hoje em casa , lido com a paciência.
Paciência em esperar que este corpo cicatrize, paciência
para lidar com a preguiça de pessoas importantes na minha vida. Eu, querendo
fazer tudo e mais um pouco, mas sendo limitada por minha condição física,
outros em pleno vigor físico querendo fazer nada!
Vai aí Luciana, engole o que não quer engolir de jeito
nenhum....
Para os amigos que me escreveram, todos sem exceção, meninas
e meninos , aqui vai meu alô:
Desde o primeiro dia, eu caminhei sozinha, e tenho feito os
exercícios que a fisioterapeuta do hospital me deu ( cá entre nós , eles são
fichinha, mas eu faço assim mesmo)
Agacho , levanto, ando, deito e sento. Algumas destas ações
eu faço além da conta, e acho que teria que estar dopada para fazer menos, mas
estou dando meu melhor porque quero voltar o mais rápido possível. Dançar ainda
não dancei , só mesmo na fantasia!
Como sempre aproveitei para estudar um pouco e descobrir o
que significam algumas expressões que andei ouvindo ultimamente: bainha de mielina, condução nervosa, impulso saltitante,
etc.
Nunca é demais aprender não é?
Neste momento de paciência forçada, como se estivesse
engolindo um grande sapo sem nadinha de agua, eu vejo com clareza que não
consegui fazer algumas coisas importantes para meus filhos. Nem tudo se designa a todos eles, mas as tarefas ainda me parecem inacabadas.
Fico aqui pensando em quantas de nós mães, conseguiram de fato o sucesso na listinha que escrevi para mim mesma:
Fico aqui pensando em quantas de nós mães, conseguiram de fato o sucesso na listinha que escrevi para mim mesma:
- Ensinar seus filhos a serem absolutamente responsáveis por seus atos, sem desculpas esfarrapadas ou pedidos atrasados de perdão.
- Caminhar independentes pela vida, criando suas trajetórias desde a mais tenra idade( essa é bem difícil )
- Voar sem que precisemos para isso tirar seu chão, sem ameaças, sem brigas ou infringindo dores emocionais desnecessárias.
- Saberem dizer não , quando o não é necessário e terem a coragem de dizer sim, quando ele for mais do que bem vindo.
- Atuar de peito aberto, recebendo deste mundo tudo o que ele traz, tendo um olho aberto e outro fechado. Fantasia e realidade são amigos e não inimigos...
- Saber discernir que o Amigo de verdade é aquele que te conhece, de fato, e ainda assim te ama. Os outros são conhecidos, colegas mas não merecem a palavra amigo.
- Não precisar que alguém lhe obrigue a pensar em sua própria vida, pois vc mesmo filho, já sabe que ela é sua e não de seus pais, portanto a tarefa de lutar por ela é única e também exclusiva de apenas uma pessoa, VOCÊ.
- Dizer a sua mãe a verdade, pois ela é sempre melhor do que qualquer mentira bem contada, e também aguentar ouvir a verdade , se for isso o que ela tem a lhe dizer.
Enfim , acho que a lista seria grande e minha sensação de
responsabilidade maior ainda. Muitos de nós queremos ser para nossos filhos,
um exemplo talvez, algo a seguir, o modelo mais bem acabado do que foram nossos
pais.
Não há receitas, e cada filho é um baú de surpresas, mas
creio que nós, mães podemos fazer muito mais, se separarmos a proteção da
criação.
Confortar e desafiar. Ensinar e aprender, mas acima de tudo
acreditar, que eles pertencem ao mundo e não a nós. Prepara-los para que sejam
adultos responsáveis, seria o melhor presente que poderíamos lhes dar.
Fica aqui a reflexão de uma mãe bailarina, que ao viajar é
cigana, mas que adora ser dona de casa, e no momento não pode fazer nem uma
coisa e nem outra.
A todos que tiveram a paciência e o tempo para ler até aqui,
uma boa noite, e até um novo encontro – seja lá onde for!
Lulu
11 comentários:
Lulu! Que pessoa linda e especial que você é... sempre me surpreendo com seus textos... humanos, sensíveis... obrigada por partilhar sua vida conosco, seus fãs sinceras... acompanho você desde os primeiros vídeos, de longe vi seu crescimento e suas fases na dança e na vida, como já li em algum lugar em que escreveu, é perceptível que não há diferença entre a bailarina e a pessoa, encontrá-la nos eventos (já esbarrei com vc em alguns!) só reforça essa constatação. Obrigada pela generosidade e carinho... Liliane Nawierski
Lulu querida, mestra da dança e da vida... que conselhos preciosos acabei de ler. Neste momento em que estou preparando meu corpo e meu espírito para gerar uma vida, ansiosa pelas sensações da maternidade, mas ao mesmo tempo aterrorizada pela responsabilidade de trazer um ser humano à este mundo que se mostra cada vez mais cruel e impiedoso, ler seus conselhos realmente não tem preço.
Saiba que tenho orado muito pela sua recuperação, e estou esperando ansiosa pelo novo vôo da águia.
MUITO obrigada por você existir!
Beijocas no seu coração, fica com Deus.
Verinha
Lulu, mais uma vez me emociono com suas palavras e a sinceridade contidas nela!
Sou psicóloga, bailarina de dança do ventre e mãe, e acabei de fazer uma página no Facebook sobre maternidade, dança e beleza. Gostaria de saber se posso fazer uma entrevista breve com vc com questões inerentes à página virtual.
Aguardo sua resposta!
Melhoras pra esta super-mulher que, como todas as super-mulheres, em algum momento dado têm que tirar a super-capa e deixar o tempo ser Rei.
Beijos,
Raquel Zaahirah.
Querida Lulu, vc é um exemplo de força, determinação e amor...Adoro ler seus posts e sempre me emociono. Te admiro como bailarina e mestra e hj te admiro ainda mais como mulher. Guerreira e doce, que nos mostra que a vida é bela e que as dificuldades estão aí para serem enfrentadas e vencidas...A vc deixo aqui toda minha gratidão por ter o prazer de conhecê-la e de me sentir um discípula e companheira de amor pela dança. Bjs carinhos, Paty.
Aprender além da dança entre a verdade artística e a realidade!!
Grata mais uma vez e continuo torcendo pra vc - agora mais que nunca!!! Beijo minha querida e DEUS continue lhe dando a PAZ!
Sempre sábias palavras!
Boa recuperacao...
Artista é artista, não adianta! Mesmo sem poder fazer o que mais ama, ela deu um jeito de criar um texto que emociona a quem o ler e mais parece um trecho de uma obra literária do que um mero texto. Acompanhando sua trajetória nos últimos tempos, depois do work em Lorena/SP, pude constatar que o amor à arte vem de dentro da sua pessoa, por isso é algo extremamente sublime. E o mesmo é tão forte que te impulsiona na vida e lhe dá coragem de sempre superar a si mesma. Pelo menos nesse tempo que vc está sendo "obrigada" a ficar quietinha, está aproveitando o tempo para refletir e meditar sobre o ato de ser mãe que também é algo marcante em sua vida. Deus escreve certo por linhas tortas, vai ver, vc precisava dessas reflexões e nós precisávamos ler.
Oi Lulu! depois de tanto tempo sem conseguir entrar no blog pq to sem pc, dou de cara com esse post maravilhoso seu!
Como uma das meninas disse anteriormente, talvez você precisasse desse tempo pra refletir e escrever e nós para ler. Definitivamente eu precisava ler isso!
Depois de um tempo meio deprimida por não ter condições de voltar as aulas na Shangrilá por causa da Rafaela que completou 1 aninho e não tenho com quem deixar pra poder viajar, tomei a decisão de não ficar mais resmungando do que eu gostaria de fazer e não posso ou do que abri mão de fazer por causa de casamento e filha. Mais tarde ela vai agradecer por eu ter cedido esse tempo da minha vida pra ficar com ela, com certeza! E eu tb comecei a agradecer por isso e tenho me sentido uma mãe melhor, uma mulher melhor!
Desejo do fundo do coração que sua recuperação seja no tempo certo pra que contnue fazendo o que de melhor faz pra nós, suas alunas e fãs: encantar e dividir seu conhecimento!!
Admirava muito seu trabalho antes de conhecê-la pessoalmente, depois disso, passei a amá-la como um aluno ama um mestre!
bjs
Si Iost
Que coisa mais linda eu acabei de ler e que bom que está tudo bem contigo minha DIVA linda. Deus te abençoe e guarde sempre..Espero vê-la logo logo dançando bjus
Entendo bem o que está passando, porque em toda essa minha trajetória artística não só como bailarina, passei também por poucas e boas, quebrei o pé, fiz aula assim mesmo, e agora grávida, quebrei a mão e também estou fazendo e dando aulas assim mesmo! Só quem é bailarina e ama o que faz mais do que tudo nessa vida, entende verdadeiramente o que é uma limitação física, e pior, a paciência parece ficar cada dia mais distante.... pra piorar a situação estou grávida de mão quebrada, então tudo fica ainda mais difícil. Mas você é guerreira, e todas nós mulheres na vdd carregamos esse sentimento de lutar por nós e com certeza ser mãe deve fazer parte de tudo isso. Parabéns por ser essa mulher vitoriosa!!!
Queridas - todas vocês que escreveram para mim depois de ver o post.
Muito obrigada pelo feed back, foi numa tarde fria e muito frustrada que escrevi o texto.
é muito bom receber a devolução de vcs em forma de palavras
beijos a todas
espero voltar em breve
Lulu
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