Shaabi o que é isso?
Fifi Abdo, uma autentica representante da dança popular egícpia
Vamos dar nó na cabeça do povo?
Qual a pergunta que não quer calar ?
Shaabi ou Sha´bi , de qualquer maneira, um convite para dar um nó num pingo dágua!
Não pretendo com o texto aclarar todas as dúvidas ou definir uma verdade inconstestável, mas sim, convidar a reflexão, que não faz mal a ninguém e só nos estimula a crescer.
Por definição em termos musicais, é um gênero musical popular, desenvolvido na primeira metade do século XX, que teve seu apogeu entre 1960 e 1980.
Mesmo sendo reconhecida como uma manifestação cultural dos grandes centros, ou música urbana do Cairo, as origens se encontram, em outra área. As raízes da música shaabi, vem da música egípcia rural, por exemplo dos camponeses que viviam na área do Delta do Nilo, chamados “ fellaheen”.
O sinônimo para a palavra Sha´bi, seria popular , folclórico, pertencente ao povo ou as pessoas comuns.
Pode se aplicar no Egito, a classe trabalhadora , sendo ela camada básica da população.
Exemplo cotidianos do uso da palavra : akl shaabeia – comida típica- barata e acessível – exemplo koshari , rak´s Shaabi – dança típica ou folclórica.
Em diversos idiomas, uma única palavra serve para distinguir coisas distintas dependendo do contexto em que se insere e assim também é com esta palavra em especial. Hoje em dia o termo é comumente usado, relacionado a música por exemplo, para determinar uma manifestação artística urbana egípcia.
Imagine que tentássemos definir ou descrever o que seria uma música típica brasileira, em especial ligada a uma cidade específica como por exemplo São Paulo. Que esta música reverberasse os sentimentos da população de forma geral. Não a classe dominante, ou mais privilegiada, mas especialmente as pessoas mais simples. Que suas letras, trouxessem os argúrios, os lamentos e até mesmo as críticas sociais, relacionadas as vidas destas pessoas. Uma manifestação musical nascida nas ruas, que se modernizasse com o tempo, e que como tudo o que se desenvolve, tem ramificações de qualidade e outras que não mereceriam nem menção.
Essa seria uma explicação simplista para o que se conhece hoje como música sha´bi. Popular com certeza, abrangente pois fala direto para todos sem exceção, e carregada de elementos pertencentes ao povo sobre o qual ela comenta, e discursa.
Sha´bi na Música
O termo shaabi,relacionado a música, está ligado historicamente a mudanças políticas e econômicas que trariam uma grande revolução ao panorama egípcio, não apenas em termos sociais mas também culturais.
As informações aqui contidas foram colhidas, num texto interessantíssimo de Roberta Salgueiro, por sua vez baseado no trabalho de um grande antropólogo chamado Nicolas Puig.
Por volta de 1952, depois de muito tempo de resistência a colonização, finalmente negocia o poder e Nasser ascende como presidente. Durante este período a cultura é subsidiada, sempre de acordo com os interesses políticos pertinentes, e desta fase temos o nascimento da Troupe Reda por exemplo.
Após a morte de Nasser, asdende ao poder Sadat, com uma nova política de abertura econômica – INFITAH.
Há uma crescente industrialização e junto com ela o empobrecimento da área rural, o que acaba empurrando os camponeses na direção do grande centro, que neste caso era o Cairo.
A mudança dos felahin traz com eles sua cultura e sua música. Uma música que era baseada de forma simples, em improvisações vocais “ Mawal” sempre acompanhadas por poucos instrumentos.
Rabab, rababah, rbab, o avô do violino, mizmar e Tabl, eram os únicos instrumentos. Em especial Mizmar.
Com a vinda dos habitantes rurais, para a cidade, outros instrumentos foram incorporados. Tabla ou derbak como o conhecemos fazia parte da manifestação musical do Cairo, e passam a fazer parte da mistura desta nova música. Outros instrumentos ocidentais são gradualmente incorporados, como acordeom , sax e trumpete.
Esse novo estilo de música, é o que o antropólogo Frances Nicolas Puig, chama de Neo Mawal, e que Roberta Salgueiro em seu texto passa a chamar de Shaabi.
A popularidade do novo estilo, em grande parte se deu em função do advento da fita cassete, que se transformou em elemento massificador das informações que continha. Em qualquer esquina, era possível ouvir música, e as bicicletas e carroças também traziam sua sonoridade privada sempre a altos volumes.
Comparativamente as letras também se distinguiam, pois as músicas Mawal ( baladi ou Saidi) falavam do amor romântico e as letras de shaabi eram mais explícitas. O Mawal fala da forma de viver baladi, dos sentimentos de pertencer a outro lugar e viver num grande centro, o Shaabi fala da mesma coisa, mas de uma maneira diferente, usando metáforas, ironia e até mesmo sarcasmo. No Mawal tradicional, a linguagem é baseada em dialeto , o shaabi usa a linguagem coloquial, do dia a dia, com a incidência de muita gíria ou slang local. O Mawal é improviso, o Shaabi é pop, ritmado e métrico. Ou seja,muitas são as diferenças musicais, entre a origem e a manifestação urbana.
As raízes do Shaabi estão na zona rural, mas seu florescimento, se da´na zona urbana. No ambiente da grande cidade a nova forma musical, se espalhou sem precedentes.
O fato de usar uma linguagem simplificada, falando das futilidades e das reclamações populares, acabou dando a esta música, um toque extra de popularidade, que a liga a periferia das cidades.
Assim como outras manifestações culturais, que nascem nas camadas menos privilegiadas da população, sua ação não se restringe apenas a camada social que a produziu, mas acaba reverberando por outras áreas, chegando a todos os pontos e níveis sociais.
Como esta música sempre tem letra, é muito importante saber exatamente o que contém a mesma. Existem muitas canções que não podem ser dançadas, por falarem de política de forma bastante rude e grosseira, e por isso mesmo não se prestarem de forma alguma para performances ou shows.
Aí reside a questão, o que fazer? Pobres mortais brasileiras?
A resposta só pode ser uma : encontre a tradução! De preferência com um egípcio, pois a gíria local, não será entendida por outras nacionalidades, e então ainda estamos no risco da gafe total.
Saiba exatamente o que existe na letra de sua canção, para que possa de fato interpretar corretamente a mesma. As canções shaabi, sempre acabam exigindo de quem dança, o contexto da letra, é como se ao dançar, vc estivesse cantando e representando o que a música traz. Neste sentido o gestual também é de extrema importância. Para aprender sobre o gestual, a única saída é estar em contato com alguém da terra, não tem outro jeito.
Dança Shaabi
Raks Shaabi = FOLCLORE
Raks Sharki = Dança Oriental Dentro do panorama da dança Oriental temos que considerar tudo o que faz dela um grande quebra cabeças.
Nossa formação deveria iniciar no Folclore que de fato é a base para todo o resto.
Conversei longamente com 3 egípcios sobre suas impressões acerca do que seria a dança Shaabi.
Derivadas destas conversas nasceram minhas próprias conclusões, que vou tentar esclarecer a seguir.
As pessoas que fizeram parte desta exploração verbal sobre a dança são :
Dr Gamal Seif, Khaled Seif e Ahmed Elsweefy.
Afora, todos eles, tenho minhas próprias experiências, que acabam servindo como filtro para as informações recebidas.
É unanimidade, que em termos de dança SHAABI OU SHA´BI, está relacionado quase que exclusivamente ao Folclore
Isso quer dizer por exemplo que grandes compositores, ou interpretes como Mohamed Abdel el Wahab, e Oum Khoulthoum, estariam fora deste parâmetro e são considerados, artistas representantes da música clássica Oriental.
Tudo o que versa sobre os costumes, específicos de certas regiões e suas manifestações artísticas, derivadas destes, é considerado Shaabi.
Portanto, dentro da conotação da palavra, estariam contidas todas as danças de caráter típico ou chamado Folclórico no Oriente Médio.
Para que fique mais claro, compilei uma serie de folclores, que podem ser verificados , como existentes, e que fazem parte da ampla lista do que podemos considerar Raks Shaabi.
Cada uma destas manifestações, tem música específica, assim como movimentações típicas, relacionadas a sua origem e manifestação.
Não temos no Brasil por exemplo, conhecimento de uma boa parte de danças consideradas dentro deste critério, mas com certeza alguns dos nomes, listados, poderemos reconhecer como sendo parte de nossa formação dentro da dança Oriental.
Uma bailarina completa, deveria de forma ideal, conhecer um pouco de cada manifestação folclórica de acordo com a região de sua dança. Se falamos do Egito , temos uma lista a ser explorada, se pertencêssemos ao grupo de países dos Emirados árabes, teríamos outra lista de estudos a frente.
Digo pertencer no sentido de dedicação a uma região específica, em seus estudos. Pois nós somos brasileiras e portanto, admiradoras de uma cultura que não nos pertence, mas pela qual nos sentimos atraídas e encantadas.
As danças consideradas Shaabi, se prestam aos mais variados objetivos, e podem assumir a expressão por acontecimentos diários, ou serem o veículo de manifestação emocional destes mesmos acontecimentos
No Egito por exemplo no passado, existia uma dança , hoje desaparecida, chamada “ Dança da Morte. Existiam canções especiais para este momento, pessoas se encontravam para prantear a morte de alguém ou para honrar aquele que havia morrido. Movimentos específicos, e música também única serviam a este propósito.
Vou definir as danças que pude compilar de acordo com os grupos a que pertencem.
Tenho certeza de que uma nova janela se abre para que possamos pesquisar mais, agora que sabemos que Shaabi não é apenas uma manifestação Baladi mas muito mais do que isso.
Raks Shaabi
1. Nubia - Araguid – uma dança de saltos em círculos
- Tata – Dança da Chuva e Dança do Sol
- Karedji – Dança das palmeiras de Tamaras
- Souk – Dança do mercado
-Sebouaá – Uma dança especial que é executada 7 dias depois do nascimento de um bebê
- El Nagrachat – Dança que utiliza as palmas e o trabalho com os pés para fazer música dentro da música. Os ritmos são compartilhados pela música tocada e pelas mãos e pés dos dançarinos.
- Bescharach –Dança do casamento – uma dança especial para celebrar novidades ou boas novas, muitas vezes ligadas as bodas
- Zaffa – marcha do casamento
- El Kaff – Dança baseada em palmas
- Hammamah – Dança dos pombos
2. Saidi
--- Tahtib – Dança de luta ou jogo
3. Baladi
---Takledi – Dança baladi com a bengala
---Hadeth – Pop baladi
---Melleah Laf – Dança com o xale
---Raks al Shamadan – Dança com o candelabro
---Raks Korsi – Dança com a cadeira
4. Falahi
---El Balas – Dança com o jarro
---El Khabez – Dança dos pães
---El Hasad – Dança da colheita
---El Farah – Dança de casamento
5. Bahari – Perto do mar
---Saiadin
---Eskandarani
---Suez
---Esmailia
---Port Said
---Mar vermelho – Mambooti com as colheres
6. Badawi – Beduínas
---Sinai
---Marsa Matruh - Hagalla
---Danças dos Oásis
---EL Aarish – Dabke egípcio
7-Gawazee ou Ghadjar
---Al Nahla – dança da abelha
---Al Tacht – Dança para casamento
---Al Naasi – Dança com os snujs
---Asharat el Tabl – uma dança que reúne a interação entre a bailarina e os tambores
---Raks el Jihainy – Uma dança com bastões
---Nizzawi – em duos, uma dança com bastões extremamente rápida e com movimentos muito ágeis
8 – Danças Religiosas
---Zar
---Zikr
---Sufi
9. Mowashahat
A parte mais clássica da dança Oriental, também considerada parte integrante do Folclore.
Acho que fica claro com tantas informações porque eu ainda acredito que não sei nada, e vou levar a vida toda estudando esta cultura.
Espero que o caderno de estudos deste mês possa ter vindo para acrescentar informações e provocar mais indagações
Pessoas que são responsáveis diretas pela informação contida neste artigo:
Roberta Salgueiro www.ayuny.com.br
Dr Gamal Seif
Khaled Seif
Professor Ahmed Elsweefy
Shokry Mohamed – através de seus livros que fazem parte de minha coleção
Lulu
www.lulufrombrazil.com.br
15 comentários:
Adorei o texto!
obrigada por dividir seu conhecimento conosco
bjo
Lulu, nossa pérola, muito obrigada por trazer este texto, eu confesso que estava realmente sem saber o que era Shaabi, achava que era apenas música popular do Cairo, mas sim é muito mais do que isto.
Abraços Fraternos.
QUE TUDO!!! AMEI!!!! COM CERTEZA UM TEXTO VALIOSISSIMO! A MIM AGREGOU MUITO, POIS JA VENHO ESTUDANDO SHAABI... OBRIGADA POR DIVIDIR SEUS ESTUDOS E CONHECIMENTO CONOSCO LULU... BJSS
Brilliant!!!
Luz na escuridão!!! é vc Diva!!!
Sempre nos iluminando não só com seu talento e glamour, mas com sua humildade e bondade sem fim, compartilhando seus conhecimentos, doando seu tempo para bailarinas como eu e como tantas outras que estudam muito a dança e se dedicam de verdade a aprender e ensinar corretamente, a partir de fontes seguras...
Amooooo vc viu!!!
Sucesso hoje no início do Mosaico Brasil Egito!!!
Estou megaaa ansiosa para chegar o dia 6 e te ver novamente além de participar dos cursos maravilhosos do Festival sexta e sábado.
:)
Bjsss
Texto maravilhoso, super esclarecedor!!! Lulu obrigada mais uma vez!!! Diva eterna!!!
Oi Lulu,simplesmente ameeei a postagem,me esclareceu uma informação que erronea que recebi: que a dança da bengala era na verdade uma adaptaçao da dança do bastão que eram, são dançadas em ritmo saidi,agora euu sei que as duas danças existem separadamente ,o takledi,dança da bengala é dançado em ritmo baladi e o raks el jihaihy(dança do bastão e dançada em gawazee, estou certa?
muito obrigada pela postagem!
Oi Lulu,simplesmente ameeei a postagem,me esclareceu uma informação que erronea que recebi: que a dança da bengala era na verdade uma adaptaçao da dança do bastão que eram, são dançadas em ritmo saidi,agora euu sei que as duas danças existem separadamente ,o takledi,dança da bengala é dançado em ritmo baladi e o raks el jihaihy(dança do bastão e dançada em gawazee, estou certa?
muito obrigada pela postagem!
Parabéns pelo texto, Lulu! Precisamos sempre de trabalho como o seu, que buscam traduzir a complexidade da diferentes camadas do baladi para uma linguagem acessível. Arrasou!
(agora certinho, vai!)
Parabéns pelo texto, Lulu! Precisamos sempre de trabalhos como o seu, que buscam traduzir a complexidade das diferentes camadas do baladi para uma linguagem acessível. Arrasou!
Sabe Lulu vc é uma pessoa tão especial e tão humilde ao mesmo tempo! Quando a conheci me surpreendeu tanto - não era nada do que eu já tinha ouvido falar - como eu já havia lhe dito no dia do arguile... Fico emocionada com o tanto que vc contribui com a dança, com o tanto de seriedade com que se pauta. É disso que a nossa classe precisa: estudar mais! Amo vc e tudo o que representa! bjss
Sahar Fouad
Oi, Lulu!
eu sempre fico pensando nesses conceitos de popular e folclórico e como é difícil chegar a uma conclusão! Vc acha então, que tudo que não seja Dança do Ventre (que, para mim se resume à rotinas e modernas), seria considerado Raks shaabi?
Beijos
Adorei Lulu, é ótimo temos grandes profissionais como você que nos ensina tanto, parabéns ☺
Lulu,
Algumas das expressões rítmicas brasileiras que se poderiam chamar de análogas ao shaabi seriam o tecnomelody de Belém e o forró eletrônico do Nordeste (principal estado - Ceará) - ambos são variações de ritmos tradicionais dessas regiões (no caso de Belém, o brega, que também é um ritmo local), só que mais pop e com um contexto semelhante de ritmos vindo do interior para a capital e modernizados (e acelerados).
Exemplo de um tecnomelody velho : https://www.youtube.com/watch?v=wwPQQagVx3Q (letra um tantinho explícita); o forró eletrônico já é bem mais conhecido no resto do país, com bandas como Aviões do Forró, Calcinha Preta, Wesley Safadão (embora ele toque mais devagar que o forró que se dança no Ceará)...
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